quarta-feira, 26 de maio de 2010

Tutorial: Sangria low cost

Agora que a primavera chegou chegando e o sol resolveu acordar cedo e ficar perambulando por Paris até as dez da noite (acredite!), o pessoal da Cité Universitaire sai das suas tocas de 12 metros quadrados e volta a frequentar os gramados. Nesse período, ao invés de ficarem trancadas em casa ... lendo, as lagartixas europeias quando não estão visitando exposições ridículas de árvores sem graça na Champs Elysées, são vistas estiradas pelos parques da cidade com suas roupas curtas, óculos escuros, cigarros acesos, passando o tempo, acertando turistas com bolas mal dominadas e ... lendo.

É na primavera também que retomamos o hábito dos pic nics. Depois de enganar o estômago com baguetes, queijos fedorentos, biscoito e o que mais se puder comprar com pouco dinheiro só para dizer que não levou nada para a turma, é hora de colocar o saca-rolhas para funcionar e tomar vinho até que ninguém consiga mais tocar violão ou que o carinha na roda ao lado resolva partir para cima depois de ter levado 15 boladas graças à insistências dos brasileiros em apresentar um esporte chamado futevôlei ao resto do grupo. Até daria certo se alguém tivesse nos apresentado ao futevôlei antes de sairmos do Brasil, mas....



Agosto de 2010, ou seja, há muito, muito tempo atrás

É nessas horas de vacas magras, cachaças escassas e libido alta que se deve usar de toda a malemolência conquistada nesses 22 anos de penúria e botar a cachola para funcionar a fim de sair do arroz-com-feijão baguete-vinhobarato de todos os dias. Mas como!?

Simples, gostosa, fácil de preparar, mais fácil ainda de beber, trocar os pés e misturar as línguas com as nativas (percebeu o duplo sentido? ;D). Depois de voltar de Barcelona, onde paguei 12 eurecas em uma jarra da bebida e ver garotas passando suas línguas pelos lábios enquanto dilatavam suas pupilas ao ver o que trazia nas mãos, percebi que aquela superfaturada bebida que o Ovella Negra chama de “Sangria” tem potencial.

Fiel ao sempre eficiente “low cost way of life”, bolei meu esquema de captação de matéria-prima no RU da cité e passei à fase de estudos de viabilidade econômica do produto. O vinho viria das mais baixas prateleiras dos supermercados, Franprix e Lidl são ótimos fornecedores. Itens apresentando custo unitário por garrafa acima de 1,80 eurecas são proibidos, assim como os de menos de 1 euro, para manter o mínimo de qualidade. Um côtes du Rhône, Corbiéres ou qualquer outro com nome de padre ou santo de 1,50 está de bom tamanho e nada de Bordeaux hein!! Mesmo achando um nesta faixa de preço você não deve estragar um Bordeaux assim, pode ser o mais barato da prateleira, mas as garotas não sabem. Por isso, um “Gostaria de beber alguma coisa? Um Bordeaux talvez?” provavelmente trará melhores resultados que “Quer um vinho? Tipo esse de nome estranho com rolha de plástico e sem furinho na garrafa que eu achei na última prateleira do supermercado barato aqui da esquina?”. Bordeaux tem nome e causa impacto, é melhor manter essa tradição.

Se você não estava ocupando sua cabeça com coisa mais importante enquanto lia, reparou que eu havia escrito que as frutas sairiam do Morte Lenta da cité, o açúcar também, já que a tia do caixa sempre dá um saquinho se você pegar um iogurte natural. O esquema é passar sem o iogurte e depois voltar e dizer que esqueceu. Ainda dá para aproveitar e pedir um para o amigo e continuar dizendo que tem mais amigos tão esquecidos quanto você até que ela olhe na cara e mande tomar vergonha ou em algum outro lugar numa demonstração bem francesa de seus modos. Dá para fazer isso com as duas caixas, se for no horário mais movimentado, geralmente eles botam três caixas. Nessa brincadeira, já se pode garantir no mínimo uns 10 pacotes de açúcar. Num outro cenário, bem mais fácil, os outros RU’s deixam cestinhas cheias de pacotinhos disponíveis para os clientes. Ingênuos ;]

Quanto às frutas, dispenso explicações. Nada que um moleque de 8 anos com um bolso e pais que não tenham dito “Se souber que você anda pegando fruta do restô para fazer sangria, eu te mato, menino!” não possa fazer.


Ainda mais se for uma mãe dessas! Deusulivre!


Vou parar com descrições de métodos não-tradicionais de obtenção de bens de consumo em prol da minha imagem de bom garoto e genro que toda mãe pediu a Deus.

Uma vez que tudo foi arranjado, licitamente ou não, é só misturar tudo numa garrafa. Dê preferência às laranjas, elas ajudam a cortar o gosto ruim do vinho pé de chinelo. Corte-as em pedaços pequenos ou fatias finas, para dar a impressão que tem mais fruta que vinho, se fizer certinho, ainda pode reutilizar as mesmas frutas várias vezes ;D. Uma outra dica é colocar uma ou outra tangerina e jurar que colocou canela em pó, acredite em mim, as pessoas nem vão notar a diferença.

É assim que se transforma um vinho ralé quase vinagre na bebida mais gostosa da rodinha do pic nic e um brasileiro lesado e liso em “expert em drinks” por menos de 2 euros!

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Como andar bicicleta dentro de casa

Como já sabem, semana passada estive no GP de Mônaco. Tendo em vista minha ociosidade nesses últimos dias, decidi compartilhar mais da corrida e da história do evento. Mais do que me gabar com fotos com pilotos e carros, quero mostrar um pouco do mito que é “O Grande Prêmio de Mônaco”.

Primeiro, comecemos pelo país. Mônaco é o segundo menor país do mundo, uma cidade-estado, atrás (ou à frente) apenas do Vaticano. É uma monarquia constitucional e um principado, quer dizer que o manda-chuva é um príncipe, hoje em dia é o Albert I, um careca com cara de almofadinha. Fica encrustado no sudeste da França e não cobra impostos de seus residentes, por isso mesmo, vários ricaços, inclusive pilotos, compram seus apartamentos de luxo por lá. Tem a bandeira igual à da Polônia de cabeça para baixo, uma faixa vermelha e outra branca. Fim do Telecurso 2000 de geografia, vamos ao que interessa.

O GP de Mônaco é o mais prestigiado e histórico do calendário da Fórmula 1. Junto com as 500 milhas de Indianápolis e as 24 horas de Le Mans forma a tríplice coroa do esporte a motor. A primeira corrida foi disputada em 1929. O circuito é muito estreito, quase sem retas, com vários pontos perigosos e, por ser um circuito de rua, repleto de elementos surpresa como sujeira, elevações, bueiros, bocas de lobo, desníveis e faixas de trânsito e de pedestres que dificultam ainda mais a condução dos carros, sobretudo em dias de chuva. Por essas e outras razões, o tri-campeão Nélson Piquet disse que “correr em Mônaco é como andar de bicicleta dentro de casa”.

De fato, o GP de Mônaco sempre foi marcado por diversos acidentes, alguns deles muito sérios.

Essa é a entrada do túnel, local do acidente que causou a morte do italiano Lorenzo Bandini em 67.

Quando ocupava a segunda posição, escapou com sua Ferrari, atingiu a proteção de PALHA e teve seu carro coberto pelo fogo. Mesmo com a ajuda do Príncipe, que participou pessoalmente do resgate, e dos bombeiros que conseguiram retirá-lo ainda com vida do carro em chamas, o piloto não resistiu e morreu horas depois no Hospital com queimaduras por 70% do corpo.

Esse também foi o local de outro acidente histórico, mas bem menos grave, felizmente. No GP de 88, Senna liderava com uma folga de quase um minuto sobre o segundo colocado, Alain Prost, a poucas voltas do fim quando tocou o guard rail no mesmo ponto que Bandini, deu adeus à corrida e a vitória de presente ao rival. Há quem diga que ele queria mesmo era colocar uma volta sobre o francês, o que seria uma humilhação para o companheiro de equipe e desafeto e a consagração para o brasileiro que já havia conquistado o principado no ano anterior pela Lotus e fazia a sua temporada de estreia na McLaren.


Fato é que ele ficou tão irritado com seu erro que foi direto par ao seu apartamento e não se ouviu falar dele até o dia seguinte. Aliás, não se pode falar de Mônaco sem falar de Senna. Ainda na sua primeira temporada na F1, Senna chamou a atenção de todos conduzindo a fraquíssima Toleman sob um temporal. Numa decisão meio confusa, a direção de prova optou por interromper a corrida dando a vitória a Prost. Senna ficou em segundo e conquistou seu primeiro pódio.


Senna venceria em 87, 89, 90, 91, 92 e 93, sendo aclamado “o rei de Mônaco”. Antes dele, Graham Hill havia faturado o GP 5 vezes.

Mas nada de saudosismo, o post é sobre Mônaco...

Outro acidente muito grave aconteceu aqui, logo depois do túnel, ponto de maior velocidade do circuito.

Em 94, nos treinos para a corrida seguinte à morte de Senna e Roland Ratzemberg, o austríaco Karl Wendlinger perdeu o controle da Sauber a 280km/h, varou a chicane e espatifou-se na proteção de pneus. O piloto ficou semanas em coma mas sobreviveu. Peter Sauber decidiu retirar da corrida seu outro piloto, Frentzen, alegando falta de segurança no circuito. Jura?!?


Nesse mesmo local, bem mais recentemente, em 2008, Kimi Raikkonen também perdeu o controle na freada e acabou com a corrida de Adrain Sutil, que rumava para marcar seus primeiros pontos e os da recém-ingressa Force India.


Um GP marcado por acidentes foi o de 1996, quando apenas quatro carros cruzaram a linha de chegada. Tendo largado em décimo quarto, o francês Olivier Panis conquistou a sua única vitória e a última da equipe também francesa Ligier, antes de ser vendida para Prost.


Outro ponto interessante da pista é a La Rascasse, palco de duas brigas entre Alonso e Schumacher. Eu não fazia ideia, mas essa curva tem esse nome graças a um bar/restaurante/boate que fica ali.

Foi nesse ponto que, durante os treinos de classificação para 2006, Schumacher, após marcar o melhor tempo, deliberadamente estacionou a Ferrari para evitar que Alonso, que vinha atrás dele com as duas melhores parciais da pista, tomasse a pole.


Nesse ano, outro capítulo. Após a lambança de Trulli sobre o pobre Chandok, quando o safety car retornou aos boxes, Schumacher ultrapassou Alonso na mesma Rascasse. Após alguma polêmica e considerações sobre as duas formas de avaliar o regulamento, o alemão foi punido com 20 segundos a mais sobre o tempo final.

Um outro acidente que ajudou a definir o término da corrida deste ano foi o de Barrichello. A bandeira amarela provocada pelo “pé de chinelo”, Barrica ou seja lá como queiram chamá-lo, pôs todos os pilotos mais uma vez juntos e deu mais emoção à corrida, pelo menos isso. Alegando um problema na suspensão, Rubinho escapou na Beau Rivage e, como ele mesmo disse em seu Twitter, deixou um “autógrafo” no muro. Na verdade, dois deles.


Mais ou menos no mesmo ponto, ainda no sábado pela manhã, Alonso perdeu o controle da Ferrari e destruiu o carro no muro. O estrago foi tanto que não foi possível fazer os reparos a tempo, tanto que o espanhol não participou da classificação e teve que largar dos boxes.


Outro acidente relativamente grave aconteceu em 87. Também no mesmo ponto, Durante os treinos Christian Danner da Zakspeed fechou a Ferrari de Michele Alboreto. O carro do italiano capotou, pegou fogo mas o piloto nada sofreu, já o alemão foi excluído da corrida. Justamente, convenhamos.


Como o assunto é acidentes e eu sei que a galera gosta de ver o osso, achei um vídeo bem instrutivo para exemplificar os perigos de andar em Mônaco.


Hoje, no entanto, os dispositivos de segurança, barreiras absorvedoras de impactos, “crash-tests” e todas as novas regras de segurança tornaram os GP’s bem menos perigosos. Eu separei alguns vídeos que mostram a (falta de) segurança dos velhos tempos. Antes de técnica, o piloto tinha que ter coragem. Em 1966 foi lançado o que talvez seja o melhor e mais fiel filme de Fórmula 1 de todos os tempos. Justamente pela precariedade das proteções e pela inovadora técnica de câmeras on-board, nós podemos ter uma boa noção do quão macho o piloto tinha que ser para domar aquelas máquinas, passando por trechos que mais pareciam ruas de uma cidade qualquer com pedestres nas calçadas e raspando no meio-fio.




Diz que não arrepia!!

Alguns desses carros ainda estão "vivos” e participam de competições. Uma delas acontece anualmente também em Mônaco e misturam modelos de várias épocas. E nem pense que os pilotos aliviam.


Então, minha euforia em estar lá não se justifica?!?