quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Samba de Orly

Pelo que tudo indica, manhã, quinta-feira, será o último dia que me sentarei ao lado da cafeteira e, contemplando o movimento da Boulevard périphérique de Paris, tomarei meu café Leader Price feito num resto de cafeteira recebida de herança.

Estou voltando para o Brasil. As circunstâncias desse retorno prematuro ainda não foram completamente esclarecidos e por isso prefiro não me aprofundar no assunto. Digamos apenas que, a contra gosto meu e da empresa, deixei meu estágio na Renault mais cedo e, dia 19, ao que tudo indica, pegarei um A330 da Tam para o Rio e, sexta, dia 20, às 10h da manhã, desembarco no Pinto Martins.

Se aproveitei tudo que podia? Impossível dizer, se aproveitei muito? Com certeza. O ano mais incrível da minha vida termina, ou recebe outros capítulos, com a partida do voo JJ8055. Para ilustrar, lembrei-me de uma música de Toquinho e Chico, muito conhecida, mas cuja história poucos sabem.

Num mundo difícil e conturbado, cheio de conflitos, torturas, enfrentamentos e restrição de direitos chamado “Década de 70”, Toquinho foi forçado a partir do Brasil e escolheu Paris como destino de seu exílio. Entre um café e outro no quartier latin e um crepe na Mouffetard ele recebe um amigo que também queria aproveitar os soldes da DeLaveine e levar uns perfumes para vender no Brasil, Chico Buarque. Na bagagem, ele traz uma música perfeita, com apenas um probleminha, faltava uma letra. Eles conversam sobre a situação na pátria amada, idolatrada salve-salve, da vida dos exilados na Europa e da vontade de retornar ao Brasil. Dias depois, Toquinho envia uma carta ao amigo com a letra para música que ele havia mostrado e batizam-na com o nome do aeroporto de onde Chico Buarque deixou Paris, Aeroporto de Orly.

Pouco tempo mais tarde, em resposta ao Samba de Orly, Chico compõe outro samba falado em resposta a seu amigo, “Meu caro amigo”. Duas pérolas, épicos dos tempos de combate à ditadura.