Alguns eventos marcam nossas vidas. De cara, muitos podem citar a formatura, casamento, perda de alguem importante, primeiro emprego, etc, porém, a maior parte dessas mudanças, e talvez as mais drásticas, acontecem durante a infância. Não falo, contudo, dos clichês tão comuns em propagandas de TV ou filmes, como primeiro beijo, aprender a ler, primeira namorada ou aprender a falar, refiro-me a aqueles momentos que realmente nos fizeram evoluir e formaram nosso caráter, moldaram nossas personalidades e fizeram de nós esses seres (nem sempre) sociáveis que perambulam entre as vidas de uns e de outros até o fim de nossos dias.
Enquanto novatos nesse mundo, não percebemos o trauma que alguns eventos têm em nossas vidas. Às vezes, nem mesmo temos consciência para lembrar dessas passagens, mas seus efeitos podem ser sentidos pelo resto de nossas vidas, pelo menos foi o que Freud disse.
Alguns são mais marcantes que outros, mas aposto que todos da minha geração, que deram o ar da graça nos últimos suspiros da década perdida, passaram por pelo menos metade desses eventos e mesmo lembram-se de alguns deles. “Tô certo ou tô errado?”.
Certamente, o mundo não mudou por causa disso, mas nós sim.
Ser negado colo e ter que andar por si só dali para frente.
Talvez você não se lembre desse dia, mas as costas da sua mãe agradecem. Dessa data em diante, você estaria em contato direto com o mundo, daria seus próprios passos. Claro que depois de uma topada ou durante uma manha, um colinho ou outro ainda surja, mas não por muito tempo.
Diferenciar os chinelos do pé esquerdo e direito.
Isso ajuda muito naquela história de dar seus próprios passos, etc...
Descobrir que, ao contrário dos sapatos, meias não têm diferenças entre pés.
Talvez um dos primeiros paradigmas com o qual você se deparou. Pé – meia – sapato. Pé: diferenciável; meia: ??; sapato: diferenciável. Logo, meia: diferenciável. FALSO!!
Aprender a amarrar seus próprios sapatos.
Já nó de gravata tem que esperar mais algum tempo ...
Descobrir que chicletes não devem ser engolidos.
Não tente entender os “gente-grande”, fazer algo tão bom, tão macio que não pode ser engolido!?!? O que é isso?
Pasta de dente também não.
Mais uma tentação, se for pasta Tandy então... Eu gostava mais do coelhinho, de morango, naquela embalagem que parecia um pote, que tinha um gatilho no topo, se bem que a azul com estrelinhas também era legal.
Aprender a controlar a TV.
Ah, daí então, a vida não seria mais a mesma. Sessão da tarde, Cinema em casa, TV Colosso, Glub-Glub, Rá-Tim-Bum, Castelo Rá-Tim-Bum, X-Tudo, o Mundo de Beackman, TV Cruj e claro, Chaves e Chapolin. Tente imaginar quanta cultura você ganhou graças a TV.
Conseguir escalar o muro de casa.
O mundo é maior do que essas paredes. Sim, meu caro, ninguém poderá te deter.
Ter o aval dos pais para atravessar a rua sozinho.
Ah, o cruel mundo além rua. Precisar de um adulto para brincar na casa de seus amigos, jogar bola ou mesmo comprar chocolate? Não mais. Você tem o diploma de travessia de ruas, sabe que tem que olhar para os dois lados e, o mais importante, não passar caso um carro venha. Certo que tudo fica mais fácil com um semáforo, farol, sinal, o que seja.
Tomar conta de sua própria higiene após usar o banheiro (limpar a própria bunda).
Chega de: “Mãe, terminei!”
Conseguir falar MADRUGADA.
Essa foi a minha última palavra a ser dita corretamente. Olha para essas sílabas, fala sério. Muito difícil!
Aprender a abrir um pote de iogurte sem derramar.
Ás vezes acho que eles fazem de propósito. Você vem cheio de vontade de tomar aquele Chambinho ou Ninho Soleil, vai com tanta sede ao pote (literalmente) que: splash! Metade fica na camisa ou no chão. É o jeito ter que passar o dedo e aproveitar as migalhinhas.
Não poder mais andar na cadeirinha do carrinho de supermercado.
Ah, eu adorava. Além de ficar quase ao mesmo nível dos adultos, você pode matar a saudade dos tempos de carrinho de bebê enquanto a mamãe coloca todas aquelas coisas gostosas ao seu alcance. Ainda dá para fazer o velho lobby para colocar um biscoito a mais, um Chambinho e claro, o bom e velho chocolate.
Conseguir dominar a arte do manejo de um garfo e uma faca chegando inclusive a cortar seu próprio bife.
Parecia impossível. Aqueles instrumentos pareciam indomáveis. Aposto que você pensou que nunca deixaria de usar a colherzinha torta com uma carinha de urso gravada.
Entender como funciona um telefone e fazer a primeira ligação.
Um novo meio de comunicação ao seu alcance. Não tente entender como funciona, isso levará anos ou mesmo nunca saberá. Pense que é mágica se for mais fácil, mas de alguma forma, seus amigos, tios, primos estão logo ali.
Arrancar o primeiro dente.
Uma nova fronteira de dor e deformação facial acaba de ser revelada.
Aprender a assobiar.
Geralmente não acontece na mesma época da perda do dente, mas só em saber que você pode fazer sua própria música... Geralmente quem aprende a assobiar torna-se um viciado, o pivete sai praticando pela rua o dia todo, tortura para os ouvidos dos pais.
A primeira viagem.
Mal sabia eu.... mal sabia...
Ficar acordado após meia noite pela primeira vez.
Um mundo completamente diferente. Dizem que é nessas horas que os ladrões agem, é tudo tão quieto na cidade, apenas os cães latindo, exceto se for réveillon, aí não tem jeito, quando mudam o número do ano, todos ficam acordados soltando bombas, comendo, bebendo e se abraçando. Mas, se for natal, é melhor ir para a cama senão papai noel não vem. Como controlar a empolgação?
Ler a primeira Turma da Mônica.
Eu adorava a última historinha, na última página, três quadrinhos de piadas rápidas e inteligentes.
Convencer-se de que não existe nada embaixo da cama.
Para alguns isso pode levar alguns anos, ou mesmo ser um tabu entre seus amigos, ninguém confirma mas todos se cagam de medo do escuro. Depois de assistir “A volta dos mortos vivos” no cinema em casa então... UI!! Como pode alguém passar um filme daqueles às 2 da tarde? Traumático!
Aprender a cortar as próprias unhas.
Roer não vale! Nas primeiras tentativas você pode ter um pouco de sangue ou mesmo cantos de unhas doloridos, mas quando se descobre aqueles cortadores bem mais seguros e práticos... adeus tesourinhas!
Aprender a dar um Hadouken.
“Meia-lua pra frente soco.” Ah! Os videogames. Street figther é O clássico. Não importa quem seja o seu personagem principal, saber dar um Hadouken é essencial para fazer frente a qualquer garoto da rua.
Dormir fora de casa pela primeira vez.
Poder dormir quando quisermos, assistir filme e jogar videogame na casa do amigo... Longe da asa da mamãe tudo parece mais legal, até que vem a dúvida se a cama do amigo também está livre de monstros assim como a sua.
Ganhar a confiança dos pais para ir comprar pão sozinho.
Isso requer também a consideração do padeiro. Não adianta chegar com o dinheiro se o tio te diz que você é muito moleque para fazer transações comerciais. Do outro lado, os pais. Primeiro eles começam com o pão, depois é algo de urgência, como um litro de leite que faltou durante um bolo, até que quando menos se espera seu pai já está chegando com quatro cascos de cerveja num domingo à tarde dizendo: “vai logo que o jogo já vai começar!”. E ai de você se estiver quente! Mas tudo bem, sempre rola um troquinho para financiar o sonho de valsa ou meia hora de street fighter ou top gear na locador.
Não ser o último escolhido no time de futebol pela primeira vez.
Ah, a vergonha de ser o último no futebol. Muitas vezes deixado de lado ou café com leite. Podendo até ser trocado por vantagens extra-jogo, “leva fulaninho mas agente começa com a bola”; “fica com fulaninho mas o gol na sombra é nosso”. Muitos até desistem da carreira por causa da vergonha. Eis que um dia chega alguem mais novo que você e enfim, redenção! Você não é tão ruim quanto diziam.
Aprender a utilizar uma chave de fenda, serrote, alicate, chave de boca.
Faça você mesmo! Máquinas de todas as funções tomam forma na sua mente, agora você pode até ajudar o pai a consertar o carro, mesmo que você não faça ideia do que está sob o capô, tem quase certeza de que umas batidinhas e apertadas de parafusos poderiam colocar a lata velha de volta às ruas.
Saber que uma chave de fenda, serrote, alicate, chave de boca, não devem ser usados como martelos.
Cada uma com sua função. Seus dedos agradecem!
Primeiros segundos sobre uma bicicleta sem rodinhas.
E se foi você mesmo quem tirou as rodinhas... nossa, quanta satisfação! Já estava na hora de tirar aquelas rodar de plástico. Todos os seus colegas com suas bikes super legais, dando até saltos perigosos, travando pneu e dominando os cavalos de pau no meio da rua. Sem as rodinhas, uma nova gama de manobras e curvas fechadas se abre. O sentimento de liberdade é tão grande que você nem se importa com os joelhos arrebentados e hematomas nas canelas.
Aprender a ver as horas em relógio analógico.
Enfim aquelas setinhas rodeadas de números fizeram sentido. O próximo passo é aprender que 14h é igual a 2 da tarde, 20h é 8 da noite e 18h é quando a tarde passa a ser noite.
Aprender a sequencia da macarena.
Isso é mais importante para as garotas, mas para um carinha querendo fazer média com as gatinhas, querendo ser dançarino, os passinhos e sequência de dobradas de braços é muito importante.
Escolher o seu power ranger.
O vermelho geralmente fica com o “cabeça” da turma, pode gerar um pouco de discussão também pois alguns podem ainda guardar a associação de que azul é cor de menino e rosa/vermelho é de menina. O Tommy, Jason, Brian e outros rangers vermelhos serviram para quebrar essa ideia.
Conseguir subir escadas de dois em dois degraus.
Muito útil nas brincadeiras de polícia e ladrão, era só correr para a escada mais próxima que ninguém pegaria. Quando a técnica é dominada por muitos, é hora de passar para o próximo nível... 3 degraus! Muitos dentes já foram sacrificados no desenvolvimento dessa técnica, mas dizem as lendas que é possível.
Não poder mais passar por baixo da catraca do ônibus.
Ah, as restrições que o desenvolvimento nos causa. Nem só de vantagens vive um jovem em crescimento. Entretanto, no geral, nessa fase, ainda estamos sob a tutela da mamãe quando saímos e se sairmos sós (os primeiros cinemas à tarde com a “tchurminha”) provavelmente papai vai deixar. Nesse época, já dá para começar a se sentir gente, ter noção de que somos sim, grosso modo, um peso orçamentário. Mesmo que não seja uma transição direta, é algo bem gradual, começa com um cobrador ou outro, mesmo assim, se argumentar ainda dá para passar, mas com a marquinha vermelha na grade do ônibus não tem conversa. Chato é que a diferença de altura nem sempre corresponde à diferença de idade, bom para os baixinhos mais atrasados.
Poder brincar nos brinquedos mais perigosos do parque.
Mesmo caso da catraca do ônibus, mesmo drama de evolução etária inconsciente com crescimento ósseo. Porém, nesse caso, os baixinhos tardios levam desvantagens, tem que fugir do mangação dos pivetes mais novos e espichados no carrossel. Ah! Como a infância era injusta!!
A primeira briga.
Os moralistas e mamães super protetoras que me perdoem, mas isso faz parte da natureza humana, assim como a mentira e a vontade de fazer putaria e de quebrar as regras de vez em quando. Quem nunca brigou quando criança? Mesmo se não tiver tido uma grande briga, talvez você tenha levado mais uma surra, ou o máximo de dano que tenha causado tenha sido uns hematomas na mão do oponente de tanto ter te socado. Brigar faz parte. Seja qual for a técnica, desde as mais avançadas como socos no fígado e chutes na cabeça aos mais desajeitados e desesperados como arranhões e puxões de cabelo passando ainda por lendários golpes como voadoras de dois pés e houndehouse kicks. Quem discorda, assista “Clube da luta”.
 
 
